Reflita sobre a bondade de todos aqueles que o rodeiam
O que este aforismo nos encoraja a fazer é concentrarmo-nos na bondade dos outros, mas de uma forma que não negue o mal do mundo e nem o fato de que muitas pessoas agem de maneira cruel. Lembre-se de que, no contexto budista, um “inimigo” é alguém que deseja prejudicar você, independentemente do que você sente em relação a essa pessoa. Nessa prática, quando refletimos sobre a bondade dos outros, a “bondade” não significa intenções gentis. Em vez disso, refere-se ao benefício, independentemente das intenções. Se alguém lhe traz benefícios, dizemos, então, que essa pessoa demonstrou gentileza, independentemente da motivação.
Determinamos nossa experiência de realidade com base naquilo a que escolhemos prestar atenção e a maneira com que prestamos atenção. Criamos um problema quando nos concentramos no quanto fizemos por outras pessoas e no quanto elas nos devem. Catalogar todas as coisas agradáveis que fizemos aos outros e o quanto elas nos devem, nos condena a uma noção de termos muitas coisas por direito e a uma insatisfação constante. O desafio é nos concentrarmos em maneiras de podermos receber a bondade dos outros.
Como podemos receber a bondade dos outros? Geshe Rabten me contou que depois de ter meditado sobre a bondade dos outros em retiro, dia após dia, semana após semana, sentia-se como um bebê no berço da humanidade – toda experiência que tinha surgia na dependência da bondade dos outros. Pense em seu último café da manhã. Foi você quem plantou o trigo, colheu as laranjas ou tirou o leite da vaca? Cada centímetro de tecido que vestimos depende da bondade dos outros. Não conseguiríamos sobreviver um só dia sem o incrível apoio dos seres sencientes à nossa volta. Portanto, tomar consciência da bondade dos outros, de todas as maneiras pelas quais nos ajudam, é mais do que gratidão – é um passo em direção ao ideal do bodisatva, pois significa apreciar a natureza dependentemente relacionada à nossa própria existência.
A prática de meditar sobre a bondade dos outros torna-se mais específica quando é dividida em duas categorias: pessoas de quem gostamos e pessoas de quem não gostamos. Meditar sobre a bondade dos outros não é difícil com pessoas de quem gostamos. Mas o carinho que sentimos pelas pessoas de quem gostamos torna-se problemático quando se transforma em apego: “Você tem sido tão gentil. O que mais você pode fazer por mim?”
Meditar sobre a bondade de pessoas de quem não gostamos é mais difícil. Temos facilidade em criticar essas pessoas pois seu comportamento e sua maneira de falar nos desagradam. Que bondade essas pessoas de quem não gostamos têm nos demonstrado? O aforismo aponta uma oportunidade para a compaixão. É bem possível que você não seja o único a considerar essa pessoa desagradável. Na visão budista, carregamos dentro de nós as fontes de nosso próprio sofrimento. Uma pessoa que é arrogante, dominadora, manipuladora e que nunca se preocupa com os outros será a primeira a sofrer com essas aflições. Uma pessoa que tem um comportamento desagradável, cuja natureza de buda está obscurecida por qualidades desagradáveis, é um excelente foco para a prática de tonglen. Enquanto estiver na companhia de uma pessoa desagradável, imagine-a livre de aflições, e que suas virtudes naturais brilham em todas as direções. As pessoas desagradáveis são gentis porque nos oferecem – com ou sem intenção – uma oportunidade para cultivarmos a paciência e a compaixão, duas das virtudes mais indispensáveis no caminho da iluminação.